
Segundo Willian Rezende do Carmo, neurologista e chefe de equipe dos hospitais Albert Einstein e Sírio-Libanês, em São Paulo, esses sintomas podem durar meses. “A covid pode afetar a parte emocional e a pessoa ficar mais ansiosa, com sono alterado, irritadiça e até com depressão. A covid piora o que a pessoa tem de pior. É muito comum ter problema de memória no pós-covid, que pode durar semanas e meses”, explica o médico.
Quem não ficou doente também foi atingido pela pandemia em diversos aspectos da vida. A falta de convívio com familiares, amigos e pessoas em geral, mudanças no esquema de trabalho, viver mais tempo em ambientes fechados são alguns dos fatores que devem ser considerados neste último ano e meio.
“O ser humano é um animal que deu certo em sociedade. Não é como outros bichos que vivem sozinhos. Temos uma área do cérebro, maior do que outras, focada em reconhecer a face humano. O cérebro humano é tão feito para ver rosto humano, que vemos rosto humano onde nem tem rosto humano. Nós demos certo assim, em contato com outras pessoas”, ressalta o médico.
Essas mudanças influenciaram diretamente na memória e na formação de lembranças. “A pessoa lembrar de algo envolve etapas: desde de conseguir ter atenção em um evento, registrar, armazenar no cérebro, fixar o que foi guardado e ter o mecanismo adequado para evocá-lo novamente. A vida continuou na pandemia, só que de forma digital. Há estudos mostrando que quando estamos na presença de uma pessoa, ou em uma reunião, a chance de você prestar atenção no conteúdo tratado é absurdamente maior do que numa reunião online. E o primeiro ponto para criar memória é prestando atenção. Sem atenção, sem lembrança”, alerta Carmo.
A diminuição da atenção está ligada aos inúmeros estímulos que competem com a atenção durante reuniões online. “Enquanto está na reunião, tem mensagem chegando no celular, no e-mail, ficam trocentas coisas ao mesmo tempo, na sua cara tirando a atenção. A pessoa não fica de maneiro imersiva na reunião”, acrescenta ele.
O trabalho em casa é apontado como causa relevante para determinar a fixação da memória, já que a vida fica restrita a um único lugar ou ambiente. “É uma rotina muito mais simples: levanta vai para o computador, do computador para cama, da cama para o computador. Ela fica sempre no mesmo ambiente, praticamente não tem nenhum novo estímulo. A monotonia traz um efeito de acomodação para o cérebro e para atenção e a pessoa vai deixando de presar atenção nas coisas e a pessoa vai deixando de lembrar”, observa o neurologista.
A pandemia mexeu com a saúde mental, o que também aumentou a ansiedade, mexeu com o sono, o comportamento e com a capacidade de consolidar memórias. “A consolidação da memória, antes de tudo precisa ter um bom sono e na pandemia, muita gente começou a dormir pior. Se o sono fica pior, se torna mais difícil consolidar a memória do que viveu”.
Além disso, existe a falta a repetição. Conforme o dia a dia é vivenciado, se contam as próprias histórias a outras pessoas. Com isso, vão se amarrando os acontecimentos da vida, o que aumenta a chance de consolidação da memória. Estamos sem janelas de oportunidade para dividir a vida. Não vai ter repetição, não tem consolidação de memória”, diz o médico.
A boa notícia é que, na maioria dos casos, é possível reverter os esquecimentos com rotinas comportamentais. Pequenas mudanças no dia a dia vão estimular o cérebro e a volta às atividades com cuidados especiais, já que a pandemia ainda está presente no Brasil, são suficientes para a memória voltar.
“Se for dada a opção de voltar a trabalhar no escritório, vale a pena ir, mesmo que não seja todos os dias. Se for continuar em casa, é fundamental ter um espaço que seja só de trabalho. Se não é possível, tem que tentar organizar um jeito para que a pessoa consiga acordar, levantar, tomar café, tomar banho, se vestir e, aí, entrar em ação o modo trabalho. Além de ser importante sair de casa e ter estímulos novos. Nem que seja caminhar pelas ruas do bairro, para no mínimo ver coisas, pessoas, ter outros estímulos”, salienta Willian para as pessoas com sintomas leves de esquecimento e ansiedade.
Já entre as pessoas que apresentam um grau de moderado a severo de perda de memória e ansiedade, é indicado procurar um profissional. “Precisa de avaliação, já que podem ser indicados medicamentos e terapias específicas”, conclui o neurologista.
Fonte| R7