Fome recua no Brasil, mas ainda atinge 6,5 milhões de pessoas, mostra IBGE
Número de brasileiros em situação de fome caiu 23,5% em um ano, mas desigualdades regionais e sociais seguem preocupantes

Em termos absolutos, cerca de dois milhões de brasileiros deixaram a fome. O total de pessoas nessa condição caiu de 8,47 milhões em 2023 para 6,48 milhões em 2024.
Os números fazem parte da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) Contínua sobre Segurança Alimentar, elaborada em parceria com o Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Fome diminui, mas ainda preocupa
A insegurança alimentar grave, segundo o IBGE, ocorre quando há redução significativa na qualidade e na quantidade de alimentos consumidos, inclusive por crianças e adolescentes. Em 2024, 2,5 milhões de famílias estavam nessa situação.
O levantamento é o primeiro retrato detalhado sobre o tema desde a POF 2017/2018, anterior à pandemia da Covid-19.
Quando se considera também a insegurança alimentar moderada — caracterizada pela restrição de alimentos entre adultos — o número de afetados caiu de 11,6 milhões em 2023 para 9,8 milhões em 2024.
Mesmo com avanços, o Brasil ainda tem 18,9 milhões de famílias vivendo algum grau de insegurança alimentar, o que representa quase um quarto dos lares do país. A proporção caiu de 27,6% para 24,2%, enquanto a parcela em segurança alimentar plena aumentou de 72,4% para 75,8%.
Norte e Nordeste seguem como regiões mais vulneráveis
As desigualdades regionais continuam marcantes. O Norte lidera o índice de insegurança alimentar, com 37,7% dos lares nessa condição, seguido pelo Nordeste, com 34,8%. Já as taxas mais baixas estão no Sul (13,5%), Sudeste (19,6%) e Centro-Oeste (20,5%).
Nos níveis mais graves, o Amapá (9,3%), o Amazonas (7,2%) e o Pará (7,0%) concentram as situações mais críticas. Em números absolutos, o Nordeste é a região com mais lares afetados: 7,2 milhões, seguido do Sudeste (6,6 milhões) e do Norte (2,2 milhões).
A pesquisa mostra ainda que a fome é mais intensa nas áreas rurais, onde 31,3% dos domicílios enfrentam algum grau de insegurança alimentar, contra 23,2% nas cidades.
Desigualdade de gênero e raça aumenta vulnerabilidade
A fome tem cor e gênero no Brasil. De acordo com o IBGE, 59,9% dos lares com insegurança alimentar são chefiados por mulheres, proporção que sobe para 61,9% entre os casos moderados.
Entre os responsáveis pelos domicílios afetados, 54,7% são pardos, 15,7% pretos e 28,5% brancos. Já entre os casos mais graves, a disparidade é ainda maior: 56,9% dos chefes de família são pardos, mais que o dobro dos brancos (24,4%).
Nos domicílios com segurança alimentar, o cenário se inverte: 45,7% têm responsáveis brancos, contra 42,0% pardos e 11,1% pretos.
Escolaridade e ocupação influenciam risco de fome
O nível de instrução também é determinante. Mais da metade (51,5%) dos domicílios em insegurança alimentar têm responsáveis com ensino fundamental completo ou menos, chegando a 65,7% nos casos graves.
A vulnerabilidade é maior entre trabalhadores por conta própria (17%), empregados sem carteira assinada (8,6%) e trabalhadores domésticos (6,5%). Já entre os domicílios em segurança alimentar, predominam empregados com carteira assinada (23,4%).
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Crianças são as mais atingidas
A fome afeta com mais força as faixas etárias mais jovens. Entre crianças de 0 a 4 anos, 3,3% vivem em lares com insegurança alimentar grave, enquanto entre adolescentes de 5 a 17 anos, o percentual é de 3,8%. Entre idosos com 65 anos ou mais, a taxa cai para 2,3%.
A maioria dos lares em situação de fome tem até três moradores (69,8%), percentual que sobe para 76,1% nos casos graves.
Renda familiar continua sendo fator decisivo
A renda per capita é o principal determinante da fome no país. Dois em cada três domicílios com renda de até um salário mínimo vivem algum grau de insegurança alimentar.
As três faixas de menor rendimento — até ¼, até ½ e até 1 salário mínimo — concentram 66,1% dos lares inseguros, embora representem uma pequena parcela da população total. Elas também respondem por 71,9% dos casos moderados ou graves.
Nos domicílios com renda superior a dois salários mínimos, o índice de insegurança cai drasticamente para 7,4%.
No campo, a desigualdade se acentua: 82,2% dos lares rurais em situação moderada ou grave pertencem às faixas de menor renda.
Como o IBGE mede a fome
A Escala Brasileira de Insegurança Alimentar (EBIA) divide os domicílios em quatro categorias:
Segurança alimentar: acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente.
Insegurança leve: preocupação com o acesso futuro a alimentos, com queda na qualidade da dieta.
Insegurança moderada: redução na qualidade e na quantidade de alimentos entre adultos.
Insegurança grave: redução drástica na alimentação, inclusive entre crianças — quando a fome se torna parte da rotina do lar.
Desafio contínuo
Apesar da melhora expressiva nos indicadores, os dados mostram que o país ainda enfrenta profundas desigualdades sociais e regionais. O avanço é comemorado por especialistas, mas o alerta permanece: a fome ainda é uma realidade para milhões de brasileiros.
“A redução da fome é resultado de políticas públicas, do aumento real da renda e da ampliação dos programas de transferência. Mas a recuperação é desigual e ainda frágil”, avalia o IBGE no relatório.