Relatório da ONU revela a verdade da Amazônia
“Para vencer esse adversário poderoso só com muitos recursos e tecnologias e estreita cooperação. E isso só poderá ser real com o Fundo de Proteção da Amazônia, que não existe, e que só pode funcionar com parte do lucro da exploração do petróleo da Margem Equatorial”

Com o título “Anomia na Amazônia”, o jornal O Estado de São Paulo publica uma nota que começa analisando o Relatório Mundial de Drogas da ONU com uma conclusão do jornal: “como mostra o relatório da ONU, o narcotráfico na Amazônia está exacerbando o círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se reforçam uma as outras” e continua que, segundo o Relatório Mundial das Drogas da ONU, na década passada o número de usuários de drogas no mundo aumentou 23% e o de pessoas com transtornos por uso dessas substâncias, 45%. E o faz um comentário mordaz: “é uma trágica ironia que essa escalada de intoxicação esteja sendo, em larga medida, bombeada pelo Pulmão do Mundo, como a Amazônia é popularmente conhecida. Nos
últimos anos, o círculo vicioso em que a miséria, a devastação e a violência se retroalimentaram foi dinamizado com esteroides pelo narcotráfico. A Amazônia é central para a trevosa saga do tráfico, que está transformando o Brasil, de um tradicional consumidor de cocaína de vizinhos, em um dos maiores exportadores do mundo, como constado pelo Relatório”.
Aqui vale a pena um intervalo. Publiquei, há dias, um artigo enfatizando tudo isso, mostrando que, sem os recursos da exploração da Margem Equatorial (que poderia sustentar um Fundo Financeiro para que o Brasil pudesse enfrentar o narcotráfico e expulsá-los de lá, pois tudo o que estava acontecendo como o desmatamento, a mineração a contaminação dos rios era obra do narcotráfico), o Brasil não teria dinheiro para enfrentá-los na selva. Alguns amigos gostaram do artigo, mas acharam que eu havia exagerado no domínio do narcotráfico na Amazônia. E que não era bem assim. Hoje, está comprovado que é pior do eu achava e que só um concerto de nações com a finalidade de limpar a Amazônia, um projeto com a necessidade de novas tecnologias complexas e caras, uma união de todos, poderia conseguir, antes que seja tarde, expulsar o narcotráfico.
Segundo a Polícia Federal, entre 2015 e 2019, as apreensões de cocaína em portos brasileiros explodiram: de 1,5 toneladas para quase 69 toneladas ao ano. A ONU estima que o País responde por 7% das apreensões globais, só atrás de Colômbia (34%) e EUA (18%). O Brasil é a quarta maior origem para a Oceania e a primeira para a Ásia e a África. E está se tornando para a Europa o que o México é para os EUA.
“A Amazônia não é só uma rota para distribuir cocaína, mas tem se mostrado um ambiente propício à ramificação e entrelaçamento de uma gama de crimes”, diz o jornal. Em primeiro lugar, ela é vasta e difícil de monitorar. A Amazônia legal compreende quase dois terços do território nacional. Fosse um país seria o sexto do mundo e abarca fronteiras com os maiores produtores de coca do mundo, como Colômbia, Bolívia e Peru.
A ONU diz que o narcotráfico “está exacerbando e amplificando um leque de outras economias criminais, incluindo ocupação ilegal de terras, mineração ilegal, tráfego de madeira e espécies selvagens, e outros crimes que afetam o meio ambiente. E parece que as autoridades brasileiras nem iniciaram o combate ao que está acontecendo ali em grande escala a não ser na reserva ianomâmi”. Deve ser também porque não há dinheiro suficiente.
O Relatório diz que o verdadeiro catalisador é a lavagem dos lucros do tráfico. Em parte, isso se deve “à abundância de recursos naturais junto a uma presença limitada do estado, corrupção persistente e fatores estruturais relacionados à informalidade, desigualdade e desemprego”. E as Organizações Criminosas como PCC e Comando Vermelho estão se diversificando em atividades altamente lucrativas como “crimes convergentes que variam de corrupção, crimes financeiros e tributários, homicídios, assaltos, violência sexual, exploração de trabalhadores e menores, até a violência àqueles que defendem o meio ambiente, incluindo indígenas”. Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre 1980 e 2019, os homicídios caíram 19% no Sudeste, enquanto no Norte aumentou 260%.
A repressão a esse “ecossistema do crime” é mais complexa do que o combate à criminalidade urbana tipicamente feita pelos estados brasileiros. Primeiro porque essas organizações são transnacionais, exigindo cooperação internacional entre as nações envolvidas na cadeia do tráfego, da produção ao consumo. O Fórum aponta que é preciso investir no fortalecimento de mecanismos integrados de comando e controle, que conectam esferas estadual e federal e, em especial, diferentes órgãos e poderes (Polícias, MP, Defensorias, Ibama, ICMBio, Judiciário, entre outros). De resto, regulações excessivas de proteção ambiental, por mais que sejam bem-intencionadas, podem sufocar oportunidades econômicas, aprofundando a pobreza, que, por sua vez forma um amplo estoque de recrutamento para os orquestradores de crimes ambientais.
O fato é que, se o País continuar a permitir que a Amazônia seja sequestrada por um narco-estado paralelo, essa fonte de riquezas naturais e saúde climática produzirá efeitos cada vez mais tóxicos para a humanidade e sua
“casa comum” – e eles serão particularmente agudos para o Brasil. E o jornal encerra o seu importantíssimo artigo baseado no Relatório da ONU sob o narcotráfico.
Para vencer esse adversário poderoso só com muitos recursos e tecnologias e estreita cooperação. E isso só poderá ser real com o Fundo de Proteção da Amazônia, que não existe, e que só pode funcionar com parte do lucro da exploração do petróleo da Margem Equatorial. De outra maneira vai ser muito mais difícil.
Artigo de José Reinaldo Tavares