Vida pós-Covid no Maranhão: recuperados sofrem com sequelas deixadas pelo coronavírus após vencerem fase aguda da doença
Chamada de 'Covid-longa' ou 'Covid-prolongada' pode deixar sequelas como ansiedade, depressão, dificuldade para respirar e dores musculares. Ao G1, pacientes que se recuperaram da doença no estado relataram as dificuldades que têm enfrentado nos últimos meses e a busca pela recuperação.

Há um ano, em 20 de março de 2020, o Maranhão confirmou o primeiro caso de Covid-19. Desde então, a vida de aproximadamente 7 milhões de maranhenses, segundo estimativa do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), mudou drasticamente. A máscara virou um acessório essencial, o álcool em gel um item de luxo e o convívio social se tornou raro.
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Entretanto, as mudanças mais drásticas aconteceram para uma parcela da população infectada pela Covid-19 no Maranhão que apresentou sequelas deixadas pela doença chamadas pelos especialistas de ‘Covid-longa’ ou ‘Covid-prolongada’.
Um dos estudos mais recentes sobre o tema foi feito por um grupo de universidades dos Estados Unidos, México e Suécia. O resultado das pesquisas apontou que os sintomas da ‘Covid longa’ atingem até 80% dos infectados.
Com mais de 232 mil infectados pela doença desde o início da pandemia, segundo o último balanço divulgado pela Secretaria de Estado da Saúde (SES) divulgado na sexta-feira (19), milhares maranhenses também sofrem com as sequelas deixadas pelo novo coronavírus.
Pessoas com histórias de vida diferentes que passaram por períodos de tratamento distintos, mas que compartilharam entre si, sequelas físicas e psicológicas deixadas pela Covid-19. O G1 reuniu alguns desses relatos abaixo, confira.
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‘Até hoje sinto sequelas’
Desde que testou positivo para a Covid-19, há quase três meses, a vida da jornalista Amanda Couto, de 37 anos, que vive em São Luís, tem sido uma batalha diária contra as sequelas deixadas pela doença.
Sem comorbidades, adepta de uma alimentação saudável e praticante assídua de atividades físicas, a jornalista teve uma surpresa ao ser diagnosticada no fim do tratamento da Covid-19, com a Paralisia de Bell – conhecida como paralisia facial. O problema só foi percebido pela afilhada de Amanda, que estava com ela durante o período de isolamento social.
Após o diagnóstico, Amanda começou a apresentar outros sintomas como calafrios, dormência nos membros, desânimo, queda de cabelo, confusão mental e pressão baixa. Ao G1, ela relata que a paralisia atrelada aos demais sintomas foi um gatilho para o desenvolvimento de outros problemas de saúde como ansiedade e depressão.
Ao mesmo tempo que sofria com as sequelas físicas e psicológicas, Amanda Couto também precisou lidar com o estado de saúde da mãe, que estava internada em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) com Covid-19, em um hospital da capital maranhense. Após 24 dias longos dias no hospital, a mãe da jornalista está curada.
“Os médicos dizem que todo o estresse que passei pode ter contribuído para que eu tivesse paralisia. Era para eu estar em casa me recuperando, mas minha mãe estava internada na UTI do hospital. No momento que eu deveria estar focada na minha recuperação, eu estava pensando o tempo todo na cura da minha mãe”, diz.
A jornalista conta que durante o tratamento também ficou muito preocupada com o filho, Guilherme, de 1 ano e sete meses, que não havia testado positivo para a Covid-19. Por conta do diagnóstico dela e do marido , que também estava com o novo coronavírus, ela precisou redobrar os cuidados em casa e usar máscara por 24 horas.
“Eu digo que quebrei a cara, porque achei que fosse passar por tudo de forma branda, assintomática, mas não. Sempre tive muito cuidado, evitava festas, aglomerações e qualquer coisa que pudesse me colocar nessa situação. Porém, eu acreditava que se eu pegasse, não seria algo grave. Porque as pessoas sempre espalharam por aí que as pessoas sem comorbidades agem de uma forma melhor em relação à doença, mas não é bem assim”, explica.
Segundo Amanda, ela está 90% curada da paralisia facial e há duas semanas, tem sentido uma melhora nas sequelas físicas deixadas pela Covid-19. Há pouco mais de um mês, ela começou a fazer sessões de terapia holísticas e psicológicas. Entretanto, a jornalista afirma que ainda há outras sequelas que precisam ser tratadas.
Os dias difíceis vividos por Amanda durante a recuperação se tornaram fonte de aprendizado. Hoje, ela afirma que suas prioridades mudaram e a partir de agora, pretende desacelerar com o trabalho e aproveitar mais os momentos em família.
“Quando a gente passa por situações assim, a gente dá muito mais valor a vida, dá muito mais valor a nossa família e aos momentos em família. Você deixa de lado algumas coisas que você considerava prioridade e elas mudam. O trabalho fica em segundo plano e a sua vida e, quem você ama, em primeiro”, diz.
A jornalista reforça, também, que a experiência acendeu um alerta sobre a importância de manter os cuidados contra a Covid-19 nas pessoas mais jovens. “Eu vejo que essa pandemia, além do coronavírus, a gente tem uma pandemia oculta, que a saúde mental. Então a gente precisa falar sobre isso e alertar as pessoas que a gente não está imune sobre isso. Você é jovem, pode ter uma saúde ok, achar que está com uma saúde ok, e de uma hora pra outra, ser tirado tudo de você”, concluiu.
Trabalhando na linha de frente como recepcionista na emergência de um hospital particular de São Luís, a maranhense Nataly Nogueira, de 28 anos, ficou surpresa ao receber o diagnóstico positivo para Covid-19. O motivo: ela acreditava que já havia sido contaminada anteriormente por ter apresentado sintomas gripais e ter contato diário com pacientes com casos suspeitos.
Após ter outros sintomas, como calafrios e falta de ar, Nataly resolveu fazer um teste para o novo coronavírus e o resultado foi positivo. O que até então não era motivo de preocupação se tornou um pesadelo para a jovem ao descobrir por meio de uma tomografia, que seu pulmão estava com 35% de comprometimento.
Nataly Nogueira optou por fazer o tratamento médico em casa. Durante o período, ela explica que a falta de ar e a fraqueza eram os sintomas mais comuns. “Eu perdi muito peso no tratamento. Cheguei a ficar cinco dias ingerindo apenas líquidos, não sentia vontade de fazer nada”, relata.
Praticamente um ano após a cura da doença, a recepcionista ainda sofre com as sequelas deixadas pela Covid-19. Dentre elas, dificuldade para respirar, queda de cabelo, manchas na pele e a perda de memória.
A recepcionista conta que os danos psicológicos causados pelo isolamento social tornaram sua recuperação mais complicada. Com medo de não conseguir vencer a batalha contra a doença, Nataly diz que deixou uma prima sob aviso, caso algo acontecesse com ela.
“Fora as dores que a doença te dá, o medo que seus familiares têm em te perder e o abalo psicológico que você tem em saber que pode morrer, é grande. Então, eu deixei uma prima minha avisada, caso alguma coisa acontecesse comigo. A gente se prepara para isso”, relembra.
‘Tive crises de ansiedade’
No auge da juventude, o funcionário público Kalil Mendes, de 23 anos, enfrentou dias difíceis ao ser diagnosticado com Covid-19. Além das dores físicas ocasionadas pela doença, ele precisou enfrentar alguns problemas psicológicos, até então nunca vividos antes devido ao novo coronavírus.
Em isolamento social, Kalil Mendes conta que precisou lidar com crises de ansiedade diárias e palpitações. Ao G1, ele relembra que durante o período em que esteve isolado teve muito medo de ter transmitido o vírus para outras pessoas nas quais ele havia tido contato.
Os problemas foram se agravando durante o período de tratamento, principalmente quando o jovem tinha acesso às notícias da situação do sistema de saúde do Maranhão, e em outros estados do país. “O combo de estar com Covid e ver o que acontecia no mundo, ler as notícias, acompanhar esse caos, também comprometeu minha saúde mental”, disse.
Hoje Kalil já está curado da doença. Entretanto, por conta dos problemas psicológicos desenvolvidos durante o tratamento, ele precisou ser afastado do trabalho. Para o jovem, o foco agora é na recuperação da sua saúde mental e na retomada da sua rotina de estudos e trabalho.
“A doença afeta diretamente na nossa produtividade, na nossa concentração e motivação. Querendo ou não, a nossa rotina dá uma balançada por conta do isolamento. Acredito que a terapia precisa estar alinhada com o nosso cotidiano, a gente já passou dessa fase de menosprezar doenças mentais, elas precisam sim ser levadas a sério”, disse.
‘Covid longa’ ou ‘Covid prolongada’
Ao todo, 55 sintomas já foram listados por especialistas como os mais conhecidos de uma doença que vem sendo chamada de “Síndrome Pós-Covid”, “Covid longa”, “Covid persistente” ou “Covid prolongada”.
O nome oficial e as classificações destas complicações causadas pela Covid-19 devem ser definidos em breve por especialistas da Organização Mundial da Saúde (OMS). A entidade reúne dados de pesquisas pelo mundo que já apontam, por exemplo, que as mulheres são as que mais relatam as complicações oriundas da infecção pelo Sars-Cov-2.
Mesmo que ocorra com mais frequência em pacientes que sobreviveram à versão grave da doença, a Covid prolongada também é comum após as versões leve e moderada, sem precisar de hospitalização.
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