
Tais estatísticas do atraso mostram uma probabilidade cruel, de que as chances de crianças nascidas nas famílias que compõem a metade mais pobre da população brasileira alcançarem o patamar de 10% mais ricos do país, quando adulta, é de menos de 2%.
Ah, quando falo de estar entre os 10% mais ricos, não falo dos 10 nomes multibilionários, tampouco de quem alcançou a faixa dos 1%, cuja renda mensal passa dos R$ 21 mil. Falo de uma parcela cuja renda média mensal é de pouco mais de R$ 8 mil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua, do IBGE.
O estudo diz que, pelo menos, dois terços dessas crianças tendem a permanecer na mesma faixa dos 50% mais pobres. O que fizemos nos últimos 60 anos para que o “país do futuro” siga condenando suas crianças a uma vida em que a perspectiva de cada dia é sobreviver até o sol se pôr?
Em 2024, a mesma Pnad do IBGE apontava para o fato de que a renda de 40% da população batia nos R$ 600. Vale lembrar que boa parte das pessoas que compõem essa parcela são beneficiários de programas sociais. Só o Bolsa Família deve distribuir R$ 158 bi em 2025.
Levantamento da Oxfam Brasil (2017), que mede a desigualdade desde 1988, também mostra o tamanho do desafio no tocante à distribuição de renda, quando aponta que 61% do crescimento econômico de 2001 a 2015 estava diretamente ligado aos 10% mais ricos, que se beneficiaram diretamente. Outros 18% dessa riqueza chegou aos 50% mais pobres.
Nunca fui um exímio aluno de matemática, mas é possível compreender, claramente, que há um claro desequilíbrio na distribuição da riqueza. Uma fatia maior da riqueza para uma parcela menor da população, resulta, obviamente, em uma renda per capita maior. O que ocorre com a outra parte menor da riqueza quando dividida para um número maior de pessoas?
Essa é a probabilidade perversa que insiste em nos atrasar enquanto país. Interessante assinalar que ao falar de distribuição de renda, não defendo que toda a riqueza produzida seja simplesmente dividida de forma igual para todos.
Mas o Estado enquanto mantenedor da nação – já que sua criação foi no sentido de organizar a sociedade e contribui para o bem comum – deve assegurar que todos os seus cidadãos tenham o direito de sonhar com uma vida e oportunidades de construir a caminhada que o levará à concretização dos seus anseios enquanto ser humano que merece ter uma vida digna.
Mas como pensar em oportunidades quando o mesmo estudo do Atlas da Mobilidade aponta que menos de 2% dos mais pobres vão sentar nos bancos de uma faculdade e que apenas metade concluirá o ensino médio?
Sem pretender qualquer trocadilho e guardando todo respeito pelo Instituto de Mobilidade Social, responsável pela pesquisa, o Atlas só aponta a imobilidade social no Brasil, os desafios de nascer pobre em uma nação cuja educação, formação humanística, empreendedorismo, geração de emprego e renda ainda parecem não ser prioridade.
Temos uma realidade que nos condena a cada dia, com 66% dos jovens sem o preparo adequado para iniciarem o mercado de trabalho. Nossa cultura poderia explicar um pouco disso? Se a farinha é pouca, meu pirão primeiro; puxar a brasa para minha sardinha; deixar tudo para última hora; a culpa é do governo anterior.
Os dados apresentados, aqui, são gerais, tratam de Brasil. Mas é óbvio que você, leitor, consegue imaginar quando nos voltamos à segmentação da população, como aquelas pessoas que estão no Norte e Nordeste; pessoas pretas e pardas; mulheres… O abismo só se aprofunda!
Sigo a máxima de defender que somente a educação terá o condão de transformar essa realidade. Mas não digo apenas de salas de aula. Falo de uma educação com professores bem preparados e valorizados, de currículos capazes de formar o cidadão para os desafios do mundo contemporâneo, de estruturas que possibilitem a absorção do conhecimento que é compartilhado em sala de aula.
Só políticas públicas eficazes, alicerçadas em uma boa educação são capazes de transformar essa realidade. Todavia, antes de tudo, é preciso repensar na forma de elaborar e conduzir as políticas públicas, sobretudo, mudar a forma de fazer educação.
*Juiz de Direito da Comarca da Ilha de São Luís. Membro das Academias Ludovicense de Letras; Maranhense de Letras Jurídicas; ALMA – Academia Literária do Maranhão e AMCAL – Academia Matinhense de Ciências, Artes e Letras.