
Há anos eu venho tentando educar a igreja por meio das minhas pregações, dos meus escritos e dos ensinos bíblicos. Mas não tem sido fácil diante do orgulho que boa parte dos cristãos carrega em si. Todavia, é obviamente necessário que a fé cristã se importe com a natureza que, por ordem do Criador, nos sustenta e nos faz respirar vida.

Com relação a ecologia e fé cristã, apesar de serem frequentemente vistas como áreas separadas e/ou distintas, não há como negar que elas estão intrinsecamente ligadas e dialogam entre si. Especialmente quando se considera a perspectiva da ecologia integral olhada pelo ponto de vista da espiritualidade. A fé cristã e em geral, em muitas tradições religiosas, aponta para a necessidade de cuidar da criação, enquanto a ecologia oferece um entendimento científico, filosófico e ético da interdependência de todos os seres vivos e do meio ambiente.
A relação entre ecologia e fé é patentemente convencionada e clarividente. Olhando tudo por esta ótica, a ecologia integral é uma realidade sobrepujante. Digo ecologia integral no sentido de ser promovida por líderes religiosos como pastores, padres, pesquisadores, professores universitários e escritores cristãos. As lideranças religiosas conscientes reconhecem a importância de cuidar do meio ambiente, das relações sociais e da economia, e a necessidade de uma conversão ecológica profunda.
O cuidado com a criação é uma grande responsabilidade humana. É algo divino. Muitas tradições religiosas, como o cristianismo, o induismo, o judaísmo e o islã, enfatizam a responsabilidade de cuidar da criação e da Terra. A palavra ecoteologia ressona nas entranhas da espiritualidade humana. A ecoteologia é uma disciplina que busca entender a relação entre fé e ecologia, buscando caminhos para a preservação ambiental com base na espiritualidade e na ética. Mas não é nada simples colocar essas verdades na cabeça das pessoas que trilham pelo caminho da espiritualidade.
Essa falta de compreensão estabelece uma elevada crise ambiental como questão moral. Nas minhas conversas com líderes cristãos percebo que a crise ambiental é frequentemente vista pelas tradições religiosas como uma consequência do afastamento da humanidade em relação a Deus e aos planos divinos.
Tudo é uma questão de responsabilidade social. A fé pode motivar a ação em prol da preservação ambiental, incentivando a justiça social e o cuidado com os mais vulneráveis, que são frequentemente mais afetados pelas mudanças climáticas.
E sempre procuro pontuar vários exemplos de como a fé cristã pode impulsionar a ecologia. A literatura ambiental é uma verdadeira campanha de conscientização humana no que concerne à relação entre espiritualidade e ecologia. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), por sua vez, realiza campanhas de conscientização sobre a ecologia integral, buscando promover a conversão ecológica. Os pastores evangélicos não têm essa mesma motivação social. Mas há alguns líderes da esfera protestante que se interessam pela matéria e falam sobre isso no seu espaço de atuação.
Minha proposta neste artigo é de que a própria igreja evangélica seja um projeto de preservação e desenvolvimento ambiental. Muitas igrejas e comunidades cristãs apoiam projetos de preservação ambiental, buscando a sustentabilidade e a justiça social. As lideranças religiosas com quem converso, no entanto, sequer entendem a importância de cuidar da natureza de Deus. A obra da criação é menosprezada exatamente por aqueles que, paradoxalmente, se dizem defensores da obra do Criador.
Mas, por outro lado, líderes religiosos têm desempenhado um papel importante na promoção da ecologia integral, buscando sensibilizar as pessoas para a importância da preservação ambiental. Em resumo, por este angulo, a ecologia e a fé cristã estão interligadas, e a fé pode ser um motor poderoso para a ação em prol da preservação ambiental, incentivando a justiça social e o cuidado com a criação.
A ecologia integral, promovida por líderes religiosos, busca uma abordagem mais abrangente e holística para a preservação ambiental, reconhecendo a importância da relação entre fé, ecologia e espiritualidade. Um estudo sociológico, premiado como melhor tese de Ciências Humanas da USP em 2024, investigou como lideranças católicas e evangélicas no Brasil incorporaram a pauta ambiental em seus discursos, entre 1970 e 2024. Embora houvesse consenso sobre a importância da preservação ambiental, as instituições religiosas reinterpretaram o tema sob uma perspectiva moral. O discurso tradicionalmente antropocêntrico, que coloca o ser humano no centro da criação e enfatiza a salvação da alma no “outro mundo”, vem sendo adaptado para uma abordagem ecológica, que reforça a responsabilidade com a natureza no presente.
Além disso, “a pesquisa sugere que o investimento massivo da Igreja Católica na pauta ecológica nos últimos anos deriva de uma percepção de que essa pauta é estratégica para reforçar sua relevância pública e fortalecer sua posição no cenário religioso, uma vez que a instituição vem perdendo cada vez mais adeptos para as Igrejas Evangélicas”, explica o sociólogo Renan William dos Santos, autor do estudo feito na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP.
Segundo o pesquisador, a Igreja Católica se destacou no engajamento ambiental devido à sua estrutura hierárquica consolidada e apoio do Vaticano, sede da instituição que fica em Roma, Itália. Em 2023, por exemplo, o Papa Francisco publicou a encíclica Laudate Deum (documento oficial do papa com diretrizes direcionadas às lideranças e fiéis católicos), reafirmando a mensagem de Laudate Si, de 2015. No documento, o pontífice destaca a urgência da crise ambiental, a necessidade de mudanças no modelo econômico e o papel da humanidade na preservação da natureza.
Já entre os evangélicos, o estudo mostra que a fragmentação das igrejas em diversas denominações dificultou a coordenação de ações mais robustas sobre o meio ambiente, embora o tema fosse recorrentemente mencionado de forma positiva em congregações e escolas dominicais. “Uma queixa comum dos líderes evangélicos é a de que seus irmãos de fé se juntavam facilmente ao coro dos que lamentam a destruição ambiental, mas raramente aceitam avançar para a discussão e o enfrentamento coletivo dos fatores estruturais que levam a essa destruição”, diz.
O estudo envolveu entrevistas com padres, pastores, bispos e lideranças de movimentos ecológicos que promoviam ou se opunham à agenda ambiental, além de investigação em literatura científica e materiais de divulgação, como panfletos e publicações.
O estudo aponta que, para católicos e evangélicos, a crise ambiental é vista menos como uma questão de gestão de recursos, avanços tecnológicos ou modelos econômicos, e mais como uma consequência do afastamento da humanidade dos planos de Deus. Nesse contexto, líderes católicos e evangélicos recorrem a “ecodiceias” — releituras das doutrinas sagradas e dos planos divinos — para explicar o atual desequilíbrio ambiental, tornando o tema religiosamente significativo nas igrejas.
“Essas interpretações compartilham a premissa de que Deus criou um mundo em perfeito equilíbrio, que seria mantido caso a humanidade não tivesse cometido o pecado original. Dessa forma, a própria existência de desequilíbrios ecológicos passa a ser vista como consequência direta da ação humana pecaminosa, ao passo que o aumento contemporâneo de tais desequilíbrios resultaria da expansão do pecado no mundo moderno”, relata o sociólogo.
No Vaticano, tais raciocínios que conectam desequilíbrios “internos” e “externos” já foram inclusive usados para “ecologizar” certos tabus tradicionais, como o controle artificial da natalidade, a eutanásia, a união homoafetiva e outros comportamentos que passaram a ser tratados ao mesmo tempo como antinaturais e antiecológicos.
No Maranhão, me vejo sozinho entre os evangélicos para discutir sobre esta matéria e propor um projeto de sustentabilidade e preservação ambiental. Sou amigo de muitos líderes evangélicos. Mas nenhum deles tem sabedoria espiritual mirada na ecologia. Eles acham que cuidar da obra divina é só fazer culto e orar. Por isso eles têm pouco poder espiritual, haja vista que eles não se integram totalmente na obra de Deus: igreja, comunidade, serviço e meio ambiente integrativo.