
EM 1991 EU ESCREVI um artigo, no jornal O Imparcial, no qual eu destaquei o seguinte pensamento: “A história acaba de trocar os livros do ano pelos jornais do dia”. Mais tarde, no início dos anos 2000, eu modifiquei este pensamento em outro artigo, desta vez publicado numa revista do Rio de Janeiro. Então pontuei: “A história avançou na velocidade do tempo. Agora, o mundo trocou os jornais do dia por sites de informação em tempo real”.

Hoje, as redes sociais tomaram o espaço das comunicações e influenciam a fé cristã ao oferecer, na velocidade da luz, novas plataformas para evangelização, compartilhamento de ensinamentos e fortalecimento da comunidade, mas também apresentam desafios, como a distração, a disseminação de informações falsas e a necessidade de que os comportamentos online reflitam os valores cristãos de amor e respeito. O uso de tecnologias como a inteligência artificial abre novas possibilidades para a evangelização, exigindo, no entanto, discernimento e adaptação da comunicação religiosa à cultura digital.
Influências positivas na fé e na evangelização acontecem, é bem verdade. Mas o fato é que parece que a fé nos dias atuais esfriou. Esfriou porque, junto com coisas positivas, vem uma enxurrada de parafernalhas que atingem em cheio o espírito pensante e a vida moral das pessoas. Estas vivem o tempo inteiro conversando com máquinas. Erros graves acontecem. Crimes decorrem às soltas. Roubos on-line às nossas contas bancárias acontecem com a maior naturalidade do mundo. E por aí vai.
O alcance e a disseminação da fé ganharam visibilidade com as tecnologias hipermodernas, todavia as pessoas pararam de pensar. As máquinas pensam por elas. As redes sociais permitem que o evangelho e a mensagem cristã alcancem um público mais amplo e diversificado, superando barreiras geográficas e sociais. Mas fica uma pergunta no ar: a fé cristã num universo dessa natureza tem maturidade ou qualidade?
As pessoas, com isso, ostentam engajamento e evolução da comunidade. Plataformas online facilitam a interação entre fiéis, o compartilhamento de estudos bíblicos, reflexões e eventos da igreja, fortalecendo os laços de comunhão. Será? Mas o que as pessoas entendem, hoje em dia, por comunhão? Parece algo bem diferente e distante de outros tempos.
Novas linguagens e formatos modernos estão surgindo rapidamente e devem ser repensados com a mente de Cristo. Sim, mentalidade cristã está ficando cada vez mais escassa. É possível, no entanto, adaptar a mensagem cristã a linguagens e formatos multimídia que são adequados à cultura digital, tornando-a mais acessível e relevante para as novas gerações.
Pensemos, então, em ferramentas para a comunhão. O papa Francisco incentivava os cristãos a serem “pescadores” nas redes, levando diálogo, encontro e a verdade para o ambiente virtual, assim como Jesus o fez. Mas, para ser honesto, os crentes desaprenderam a consultar a Deus e a ouvirem Ele falar. Quando me converti, em 1983, a igreja orava no mínimo 30 dias até ouvir Deus falar, antes de fazer qualquer coisa. Nos dias de hoje, isso mudou. As pessoas tomam decisões por conta própria ou com base em consultas ao “deus” Google, sem se importar com a vontade do Senhor. O Deus de Abraão, Isaque e Jacó é deixado de lado. Ele é convido apenas para aprovar o que a vontade meramente humana já decidiu por conta própria.
Em tempos de dominância de tecnologias, há desafios e necessidades. Distração e conteúdos inadequados também campeiam por todos os lados. As mesmas plataformas que inspiram podem ser fontes de distração, dificultando o aprofundamento na fé, se o foco não for mantido nos valores cristãos.
“As mesmas plataformas que
inspiram podem ser fontes de distração, dificultando o aprofundamento na fé, se o foco não for mantido nos valores cristãos”
O comportamento online também deve ser analisado. O comportamento nas redes sociais, de fato, deve refletir o amor e o respeito que caracterizam a fé cristã, evitando postagens negativas ou desrespeitosas que afastam as pessoas umas das outras.
Deve-se ter discernimento de mensagens. A grande quantidade de informações e a proliferação de influenciadores digitais exigem discernimento para que a doutrina da fé não seja distorcida e para que a mensagem das Boas-Novas seja transmitida corretamente.
Quanto à mudança na leitura das Escrituras, o que dizer? A leitura de textos religiosos em telas pode levar a uma interpretação mais literal e fragmentada, diferente do modo mais profundo e contextualizado como as Escrituras foram escritas para serem lidas em livros. E por falar em livros, estes estão sendo cada vez mais desprezados. E, por falta deles, as pessoas caem num profundo abismo de mediocridade, onde perecem por falta de conhecimento (Oséias 4.6).
Que recomendações poderíam ser dadas, oportunamente, para o cristão na era digital? Refletir os valores cristãos é inevitável. Em tese, é fundamental que as interações online manifestem os valores de verdade, justiça, amor e pureza, como ensina a Bíblia (em Filipenses 4.8).
Em face de tudo isso, devemos usar a tecnologia com propósito. Não se deve negar os avanços tecnológicos, mas utilizá-los de forma inteligente para propagar o Evangelho do Reino de Deus e servir à missão da Igreja.
Logo, buscar o equilíbrio é fundamental. Manter o foco no alvo espiritual, mesmo com as distrações da vida online, é crucial para preservar a vida espiritual e permitir que a vida abundante no Senhor transborde para o ambiente digital.
Enfim, a fé e as tecnologias compõem uma relação complexa em que a tecnologia pode tanto enriquecer a prática da espiritualidade, facilitando a comunicação e a disseminação de mensagens, quanto apresentar desafios, como o risco de desumanização e o uso para fins equivocados. Movimentos como o Faith Tech (Faytec) e outras coisas mais buscam integrar a fé ao campo tecnológico, incentivando o uso de habilidades na área para propósitos divinos, enquanto alguns líderes religiosos enfatizam a necessidade de a tecnologia ser guiada pela sabedoria do coração, promovendo a dignidade humana. O uso ético e responsável da inteligência artificial (IA) é crucial, assegurando que ela sirva ao bem comum e não substitua a conexão humana autêntica.
Mas como a tecnologia pode auxiliar a fé? A primeira coisa a considerar é a facilitação da comunicação. As tecnologias digitais permitem que as instituições religiosas interajam com os fiéis de forma contínua, mesmo fora dos dias de culto, agilizando pedidos de oração e compartilhando informações.
A outra coisa é com relação a gestão e organização. As ferramentas tecnológicas ajudam a organizar eventos, cultos e celebrações, além de facilitar a gestão de ministérios e projetos dentro das comunidades religiosas.
A disseminação do evangelho é facilitada com as tecnologias. A internet e os dispositivos móveis são ferramentas eficazes para divulgar mensagens religiosas, alcançar novos públicos e apoiar a evangelização e a missão da igreja no mundo.
O estudo e a compreensão de informações complexas foram beneficiados. A inteligência artificial, por exemplo, pode ser usada para aprofundar o estudo de textos bíblicos e enriquecer a experiência espiritual dos fiéis, sempre com o devido cuidado.
Os desafios e as preocupações miram a desumanização e a desconexão. O excesso de tempo em dispositivos pode levar à desconexão com Deus, com o próximo e consigo mesmo, prejudicando a prática da fé e a autoestima.
Temos, enfim, alguns dilemas éticos. O uso da inteligência artificial e outras tecnologias levanta questões éticas importantes, como o potencial de manipulação e a necessidade de garantir que a tecnologia não se torne um substituto do contato humano.
Além disso, como falei acima, a tecnologia pode ser usada para espalhar mensagens falsas ou enganosas, o que pode prejudicar a fé e a compreensão da verdade. Não se pode cair na idolatria tecnológica. Existe o risco de se venerar ou idolatrar a tecnologia, esquecendo que ela deve ser um meio para um fim, e não o fim em si mesma.
Mas, afinal de contas, como navegar a relação entre fé e tecnologia? Primeiramente, tendo sabedoria e ética. A sabedoria que vem da fé deve guiar o desenvolvimento e o uso da tecnologia, garantindo que a dignidade humana e os valores fundamentais sejam sempre preservados e respeitados. Para isso, é claro, é preciso fazer uso eesponsável. É preciso usar a tecnologia com moderação e responsabilidade, buscando o bem comum e evitando os abusos e as consequências negativas..
Devemos ter foco na conexão humana. Manter o foco em conexões humanas autênticas e na primazia do contato humano é fundamental para que a tecnologia enriqueça, e não substitua, a vivência da fé. Mas para tudo isso é preciso ter visão de propósito. Integrar a tecnologia à vida religiosa deve ter, de fato, o propósito de servir ao reino de Deus e promover a construção de uma sociedade mais justa e fraterna.