
O susto que quase terminou em tragédia no último sábado (19), durante a partida entre Maranhão Atlético Clube (MAC) e Maracanã, no Estádio Castelão, acendeu um alerta urgente sobre um velho problema que continua sendo tratado com descaso: o uso de cerol em linhas de pipa.
No meio de um jogo válido pela Série D do Campeonato Brasileiro, o lateral José Igor Nunes Lima foi surpreendido por uma linha de pipa que passou perigosamente rente ao pescoço. O material veio de fora do estádio e caiu no campo, interrompendo a partida. Por sorte, o jogador não ficou ferido e conseguiu continuar na disputa. Mas o episódio escancarou o risco real de acidentes causados por essa prática.
Apesar de parecer inofensiva, a brincadeira de empinar pipas ganha contornos criminosos quando envolve cerol, uma mistura cortante de vidro moído com cola, ou sua versão ainda mais agressiva, a chamada linha chilena, feita com quartzo, alumínio e outros elementos abrasivos. Essas substâncias transformam uma linha leve e colorida em uma lâmina quase invisível, capaz de provocar cortes profundos e até mortes.
O ocorrido no Castelão poderia ter acabado de forma trágica, dentro de um dos maiores palcos esportivos do estado. Se isso pode acontecer em um estádio com policiamento, câmeras de vigilância e grande movimentação, o que dizer das ruas e avenidas por onde circulam diariamente pedestres, ciclistas e motociclistas, os principais alvos desses fios cortantes?
Acidentes com cerol são frequentes em todo o país, especialmente nos períodos de férias escolares, quando aumentam os relatos de ferimentos graves, mutilações e mortes. Crianças brincando em áreas urbanas, pessoas que trafegam de moto ou bicicleta e até animais são atingidos por linhas armadas como armadilhas aéreas. A cada ano, novas vítimas engrossam uma estatística silenciosa que poderia ser evitada com mais conscientização e, principalmente, fiscalização.
No Maranhão, há legislação clara sobre o tema. As Leis Estaduais nº 11.344/2020 e 11.821/2022 proíbem a utilização de cerol e similares, enquanto o Decreto Estadual nº 38.234 veda, especificamente, o uso de pipas nas imediações do Estádio Castelão durante jogos oficiais. A responsabilidade pela fiscalização, conforme determina o próprio decreto, é compartilhada entre a Secretaria de Esporte e Lazer (Sedel), a Secretaria de Segurança Pública e o Procon-MA.
Mesmo assim, pipas foram vistas diversas vezes no entorno do estádio durante a partida de sábado, e o jogo precisou ser paralisado em mais de uma ocasião para remoção de linhas no gramado. O que aconteceu com o jogador Igor Nunes poderia ter vitimado qualquer pessoa, fosse um atleta, um torcedor ou um trabalhador comum em deslocamento.
A Federação Maranhense de Futebol e a Sedel se pronunciaram após o incidente, prometendo reforçar a fiscalização e lançar campanhas educativas. Embora essas medidas sejam positivas, é preciso ir além da reação pontual. É necessário planejamento contínuo, articulação entre órgãos públicos e punição efetiva para quem insiste em transformar uma brincadeira tradicional em ameaça à vida.
Enquanto isso não acontece, o cerol segue no ar, invisível, silencioso e perigoso. E o risco não se limita aos campos. Ele paira sobre praças, ruas e avenidas, pronto para fazer a próxima vítima.
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