
Um novo vírus que ataca o sistema respiratório e se espalhou a partir da região de Wuhan, na China, preocupa o planeta. Ele pertence à família dos coronavírus, um grupo que reúne desde agentes infecciosos que provocam sintomas de resfriado até outros com manifestações mais graves, como os causadores da Sars (sigla em inglês para Síndrome Respiratória Aguda Grave) e da Mers (Síndrome Respiratória do Oriente Médio).
“Falamos de uma ampla família de vírus, que acometem praticamente todas as espécies, de répteis a mamíferos”, contextualiza o infectologista Celso Granato, do Fleury Medicina e Saúde. De acordo com as investigações ainda em andamento, o novo coronavírus, que afeta mais de 2700 pessoas e matou pelo menos 80 até o momento, pode ter origem em serpentes ou morcegos — inclusive se especula que a ingestão de um desses animais teria originado o surto. Apesar de um estudo chinês ter encontrado uma relação do novo coronavírus com cobras, não existe consenso entre os cientistas sobre a origem da doença. Muitos apostam que outro animal possa estar envolvido com o início do problema na China.
O fato é que coronavírus diferentes podem sofrer mutações e se recombinar, dando origem a agentes inéditos. Pulando entre espécies animais (os hospedeiros), eles eventualmente chegam aos seres humanos. “É um processo que tem semelhanças com o que acontece na gripe. Na gripe suína, um porco pegou o vírus de aves e, na recombinação de vírus diferentes dentro do animal, surgiu um H1N1 que conseguiu passar para os seres humanos“, explica Granato.
Tudo leva a crer que o novo coronavírus tenha sido originalmente transmitido para o ser humano de um animal e ainda em esteja em processo de evolução e adaptação. “Embora a transmissão de uma pessoa para outra já tenha sido detectada, até agora não está clara a importância da transmissão interhumana”, diz a infectologista Lígia Pierrotti, do laboratório Delboni Auriemo.
Seguindo o padrão dos coronavírus, e a perspectiva de o agente aperfeiçoar sua propagação entre os humanos, existem algumas vias principais de transmissão. De acordo com o pneumologista Elie Fiss, professor titular da Faculdade de Medicina do ABC, os coronavírus normalmente são transmitidos pelo ar, por meio de tosse ou espirro, contato pessoal próximo ou com objetos e superfícies contaminadas.
O que o novo coronavírus faz e quais seus sintomas?
Pesquisadores e autoridades de saúde estão mobilizados em entender melhor o comportamento desse agente infeccioso e evitar sua disseminação geral. No entanto, a Organização Mundial da Saúde (ainda) não decretou uma emergência global. Mesmo assim, o Brasil e outras nações deram início a um plano de vigilância e contenção de casos suspeitos — por ora não há episódios confirmados por aqui.
Mas falamos de um vírus perigoso? O número de vítimas na China fez soar o alerta, sobretudo para o risco de pneumonia e insuficiência respiratória em pessoas mais velhas e que já tenham outras doenças. “O novo coronavírus causa, em geral, sintomas respiratórios mais leves que os da Sars e da Mers e os sinais clínicos mais referidos são febre e tosse. Até o momento, a letalidade também é menor que a associada a Sars e Mers“, relata Lígia. Um estudo com uma família infectada pelo novo coronavírus sugere que é possível que ele permaneça no corpo sem manifestar sintomas. Isso dificultaria o controle, uma vez que esse agente infeccioso poderia ser transmitido por pessoas aparentemente saudáveis.
O professor Elie Fiss conta que a Sars é uma condição causada por um coronavírus diferente cujos primeiros relatos surgiram também na China em 2002. “Ela se disseminou rapidamente por mais de 12 países na América do Norte, América do Sul, Europa e Ásia, infectando mais de 8 mil pessoas e causando em torno de 800 mortes antes de a epidemia ser controlada em 2003”, lembra o pneumologista.
Em 2012, por sua vez, outro coronavírus disseminou o terror na Ásia. Esse foi identificado inicialmente na Arábia Saudita e se alastrou pelo Oriente Médio, afetando pessoas que circularam pela região. Provocava um colapso respiratório e ganhou o noticiário com a sigla Mers.
Tanto o vírus da Sars quanto o da Mers parecem mais mortais que o novo coronavírus de Wuhan. Segundo Lígia, a letalidade chega a 10% dos casos na Sars e a 40% nos episódios de Mers.
De acordo com Fiss, os óbitos ligados ao atual coronavírus têm acontecido em indivíduos que já possuíam doenças associadas. Quanto ao contágio, avisa o médico, ele ainda se restringe a cidades na China e a viajantes que vieram dessas regiões.
A atenção da OMS e das autoridades não é em vão. Celso Granato explica que possivelmente o vírus ainda se encontra em processo de mutação e nosso organismo não tem mecanismos de defesa para combatê-lo adequadamente. Na ausência de uma vacina ou de um tratamento específico, o melhor conselho é evitá-lo mesmo.
Como se proteger?
Para os brasileiros, não há motivo para alarmismo. Cabe frisar: todos os casos da doença têm relação direta com os territórios chineses acometidos, que inclusive já foram isolados. Por aqui, um episódio suspeito em Belo Horizonte já foi investigado e o veredicto é que não se tratava do problema.
“Pessoas que apresentam sintomas respiratórios e não tenham passagem por essas áreas de circulação do vírus nem contato com casos suspeitos ou confirmados não precisam se preocupar”, tranquiliza Lígia.
A primeira medida de prevenção é evitar viajar a Wuhan e região, bem como a cidades que possam vir a alojar surtos. Se inevitável, os médicos Elie Fiss e Celso Granato aconselham algumas medidas básicas de proteção, que inclusive se aplicam a outros agentes infecciosos transmitidos pelo ar e por gotículas de saliva:
- Evite aglomerações e contato próximo com outras pessoas
- Cubra o nariz e a boca com lenço descartável ao tossir ou espirrar (e descarte o material em local adequado)
- Lave as mãos a cada duas horas e principalmente após passar por estabelecimentos ou transportes públicos
- Procure não tocar olhos, nariz e boca
- Não compartilhe copos, toalhas e objetos de uso pessoal
- Dependendo do local, compre e use máscaras que cobrem boca e nariz
Uma breve linha do tempo sobre o novo coronavírus
- Dezembro de 2019: uma doença ainda misteriosa aparece em Wuhan, na China, e começa a preocupar as autoridades locais.
- 8 de janeiro: pesquisas comprovam que o agente causador da condição era um novo coronavirus:
A doença infecciosa misteriosa que apareceu na China recentemente parece ser provocada por um novo tipo de coronavírus, da mesma “família” dos causadores de MERS e SARS. https://t.co/OxqEEvSdfz
— André Biernath (@AndreBiernath) January 8, 2020
- 16 de janeiro: A OMS confirma os primeiros casos no Japão e na Tailândia. Os indivíduos acometidos tinham viajado para Wuhan nos dias anteriores.
The 🇯🇵Japanese Ministry of Health, Labour and Welfare @MHLWitter, today informed WHO of a confirmed case of a novel #coronavirus (2019-nCoV) in a person who travelled to #Wuhan, #China🇨🇳https://t.co/HjUq9bKBRu pic.twitter.com/DCH8T3DaMm
— World Health Organization (WHO) (@WHO) January 16, 2020
- 17 de janeiro: Aeroportos americanos passam a realizar exames de triagem para evitar a entrada do vírus no país. Alguns dias depois, um caso é confirmado por lá, na cidade de Seattle.
Three US Airports Will Start Screening For A Dangerous Chinese Virus https://t.co/nSQBgZOYKS via @dvergano
— Virginia Hughes (@virginiahughes) January 17, 2020
- 22 de janeiro: A Secretaria de Saúde de Minas Gerais notifica um caso suspeito em Belo Horizonte. Logo a informação é descartada pelo Ministério da Saúde. Na China, autoridades decidem fechar todos os meios de transporte (avião, trem e ônibus) em três províncias, afetando 20 milhões de pessoas.
Public #transportation such as bus, subway, ferry and long-distance bus in Wuhan will be temporarily closed since 10am Thursday. All flights and trains departed from #Wuhan will be temporarily cancelled to reduce risk of spread of the new virus, local govt says. #coronavirus pic.twitter.com/gtzIlFszaf
— China Daily (@ChinaDaily) January 22, 2020
- 23 de janeiro: Comitê de Emergência da OMS decide não declarar o coronavirus como uma ameaça de saúde pública internacional. O principal motivo para isso é o fato de os casos estarem restritos à China.
The mission would review and support efforts to investigate:
🔺 the animal source of the new #coronavirus (2019-nCoV) outbreak
🔺 the extent of person-to-person transmission
🔺 the screening efforts in other provinces of #Chinahttps://t.co/yhhGORE3ll— World Health Organization (WHO) (@WHO) January 23, 2020
- 26 de janeiro: Durante o final de semana, novos casos são confirmados na Europa (França e Alemanha) e na África (Costa do Marfim). Estados Unidos notifica outros três casos.
- 27 de janeiro: Prefeito de Wuhan admite que demorou para agir e pede demissão do cargo.
- 28 de janeiro: Em coletiva de imprensa, Ministério da Saúde informa que há um caso suspeito em Belo Horizonte. O paciente viajou de Wuhan para o Brasil e apresenta sintomas compatíveis com a infecção. Resultados dos exames são aguardados.
Ministério da Saúde confirma caso suspeito de coronavírus em MG https://t.co/VtwkXFlkLN
— Exame (@exame) January 28, 2020
Um mapa em tempo real
A Universidade Johns Hopkins, nos Estados Unidos, criou um site com atualizações diárias sobre o coronavirus. Os dados vêm da OMS, do Centro de Controle de Controle e Prevenção de Doenças (EUA) e das autoridades sanitárias dos países com casos confirmados.