
Entre os resgatados, a maioria era oriunda de estados do Norte e Nordeste, com destaque para o Maranhão, além de Piauí e Pará.
O grupo atuava na construção de uma usina de etanol da empresa 3tentos, e o caso veio à tona após um incêndio, ocorrido em 20 de julho de 2025, destruir os alojamentos utilizados pelos trabalhadores.
A tragédia intensificou as investigações e expôs um cenário de graves violações aos direitos trabalhistas, além de um ambiente de extrema precariedade.
ALOJAMENTOS PRECÁRIOS E CONDIÇÕES DEGRADANTES
As inspeções realizadas no local constataram que os trabalhadores maranhenses e de outros estados viviam em alojamentos superlotados, com ventilação inadequada e infraestrutura precária.
Havia apenas um ventilador para cada quatro pessoas, colchões usados e finos, sem travesseiros ou roupas de cama adequadas. Alguns trabalhadores dormiam no chão ou sob mesas por falta de camas.
A situação se agravou nas semanas anteriores ao incêndio, com interrupções constantes no fornecimento de energia elétrica, o que impedia o bombeamento de água dos poços artesianos.
Isso deixou centenas de trabalhadores sem acesso à água para consumo e higiene, obrigando-os a tomar banho com canecas e enfrentar longas filas para utilizar banheiros sujos e sem condições sanitárias mínimas.
No dia do incêndio, a água só foi disponibilizada com o uso de caminhões-pipa, que buscavam água turva do Rio Tapirapé, considerada imprópria para o consumo humano, para abastecer os bebedouros.
O fogo destruiu os alojamentos masculino e feminino, parte da panificadora e a guarita de entrada da obra. Cerca de 60 trabalhadores perderam todos os seus pertences pessoais no incêndio.
IRREGULARIDADES GRAVES NA OBRA
Além das péssimas condições de alojamento, as fiscalizações revelaram um quadro alarmante no canteiro de obras. Os trabalhadores enfrentavam calor extremo, excesso de poeira, refeitórios mal estruturados e sem ventilação.
Foram constatados casos de doenças de pele e acidentes de trabalho, como lesões nas mãos e pés, sem os devidos registros formais. A ausência de equipamentos de proteção individual (EPIs) agravava ainda mais os riscos à saúde e segurança dos trabalhadores.
A jornada de trabalho também era irregular. Muitos operários trabalhavam sob o sistema conhecido como “cartão 2”, no qual exerciam funções além das 8 horas e 48 minutos previstas em contrato, chegando a cumprir até 22 horas diárias, inclusive aos domingos.
As horas extras eram pagas por fora da folha de pagamento, em dinheiro vivo ou cheques, caracterizando sonegação fiscal e grave precarização das relações trabalhistas.
Outro ponto grave revelado nas audiências administrativas realizadas entre 30 de julho e 5 de agosto foi o aliciamento de trabalhadores. Intermediários atuavam nas cidades de origem, como no Maranhão, cooptando operários que precisavam pagar suas passagens até o Mato Grosso.
Posteriormente, esses custos eram descontados dos salários. Aqueles que não passavam nos exames médicos ou não eram contratados ficavam abandonados e sem recursos para voltar para casa.
A alimentação oferecida era repetitiva e de baixa qualidade. Os trabalhadores relataram encontrar larvas e moscas na comida, além de refeições requentadas e mal conservadas. O refeitório, segundo os depoimentos, era quente e sem ventilação adequada.
CONSEQUÊNCIAS E PROVIDÊNCIAS
Após o incêndio, a empresa foi obrigada a transferir os trabalhadores para hotéis e imóveis alugados na cidade.
Até o momento, foram registradas 18 demissões por justa causa, 173 pedidos de rescisão antecipada de contratos e 42 pedidos de demissão voluntária.
A TAO Construtora, responsável pela obra, tem outras três frentes de trabalho em Mato Grosso, empregando cerca de 1.200 trabalhadores, sendo a unidade de Porto Alegre do Norte a maior delas.
O Ministério Público do Trabalho está negociando com a empresa a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para garantir:
Pagamento de verbas rescisórias;
Indenizações por dano moral individual e coletivo;
Reembolso das despesas com transporte e alimentação dos trabalhadores que se deslocaram de outros estados;
Reparação pelos pertences perdidos no incêndio;
Correção imediata de todas as irregularidades constatadas nos alojamentos e no ambiente de trabalho.
As investigações seguem em andamento, com análise de documentos e possibilidade de novas inspeções.