A predominância de uma facção criminosa na área Itaqui-Bacanga
A guerra urbana entre facções na área Itaqui-Bacanga continua acirrada, apesar da consolidação dos territórios ocupados pelos criminosos.

Quando uma facção criminosa surge em algum estado, ocorre um processo de disputa
e ocupação de territórios, com o objetivo de demonstrar poder e presença. Às vezes,
um grupo não se contenta com suas zonas de controle e elabora estratégias de combate
para tomar o espaço do inimigo. Em São Luís, capital do Maranhão, existe uma área, o
Eixo Itaqui-Bacanga, que é preenchida quase totalmente por uma organização
criminosa denominada Bonde dos 40. O rival, Comando Vermelho (CV), está apenas
em duas ruas de um bairro da região.
Mas por que o Bonde é predominante no Eixo Itaqui-Bacanga? Autor de dois livros
sobre facções criminosas no Maranhão, o repórter, pesquisador e palestrante Nelson
Melo procurou duas fontes policiais, que conhecem a área como ninguém, para os
esclarecimentos sobre a indagação. Importante destacar que antes mesmo do
surgimento das organizações criminosas no território maranhense, havia uma
rivalidade entre bairros, sendo que a frente de combate era protagonizada pelas
gangues.
Esses conflitos interbairros aconteciam no extramuros (ruas) e intramuros (presídio).
Aliado a esse fenômeno, os “detentos da capital” rivalizavam com os “detentos do
interior”, que eram considerados forasteiros no Complexo Penitenciário de Pedrinhas
antes de 2013, quando o Primeiro Comando do Maranhão (PCM), primeira facção do
estado, mostrou sua verdadeira face. Sobretudo os criminosos da Baixada Maranhense
eram hostilizados no sistema carcerário. Convém ressaltar que “Saddam”, o
idealizador do PCM, é da cidade de Pinheiro.
Então, segundo os contatos do repórter Nelson Melo, havia uma rivalidade entre
grupos dos bairros Vila Embratel e Anjo da Guarda, algo que também acontecia, por
exemplo, entre Recanto Fialho e Vila Cruzado, “Rua da Vala” do João Paulo e
Coroado, Vila Conceição (Altos do Calhau) e Ilhinha. E até mesmo dentro de bairros
ocorriam conflitos, como na Redenção, perto do Filipinho, onde delinquentes das ruas
2 e 8 eram inimigos, com invasões e provocações dos dois lados. A população, como
sempre, ficava no meio do fogo cruzado.
Com a eclosão das duas primeiras facções no Complexo Penitenciário de Pedrinhas,
alguns desses “bairrismos” continuaram, mas, dessa vez, de forma mais violenta, com
um nível de sofisticação bélica urbana que o Maranhão nunca tinha visto em nenhum
outro momento histórico desde a Batalha de Guaxenduba, quando franceses e
portugueses eram os únicos que disputavam territórios na Upaon Açu ou Ilha Grande.
As “tropas” no “front”, em São Luís, em nosso século, são de bandidos fortemente
armados, com cerimônia de “batismo”, estatuto, hierarquia e gírias.
“As facções se instalaram aqui na ilha, nos bairros, por questões de revanchismo, de
rixa, mesmo. A Fialho e Vila Cruzado sempre tiveram rixas. A Cruzado fechou logo
com o Bonde. A Fialho fechou com o PCM, mas hoje é Comando Vermelho”, pontuou
uma experiente fonte policial. Segundo esse contato do jornalista frisou, as lideranças
de gangues do Anjo da Guarda se reuniram e decidiram aderir ao Bonde dos 40,
quando esta organização estava “vendendo o produto” nas comunidades, com a
promessa de proteção nos presídios.
“Quando fundaram o Bonde na cadeia, havia lideranças na Vila Embratel, como
Kelson e o irmão dele, Kerton. Um já até morreu. Então, eles eram da Vila. E tinha o
pessoal do Anjo da Guarda, que fecharam entre eles”, declarou o entrevistado. Após a
adaptação das gangues para o fenômeno das facções, as ruas 6 de Abril e do Arame
foram dominadas pelo PCM, que também tinha “postos avançados” na Proab, que
protagonizou uma disputa acirrada com os “B.40” do Fumacê, sendo estes liderados
pela gangue “Mensageiros do Inferno”, de Jairo Reis Gomes, o famoso “Pixirico”.
Com a falência do PCM, o CV ocupou as duas ruas da Vila Embratel, mas esta facção
não conseguiu “segurar” a Proab após várias ofensivas do Bonde dos 40, cuja tomada
da localidade causaria inveja até nos combatentes da Al-Qaeda. “Hoje, como as
facções estão mais organizadas, elas tendem a dominar e se instalar em um local, como
foi no caso da Proab e Vila Palmeira, que foram tomadas pelo Bonde. No início, em
2013 e 2014, as facções só faziam invadir, aprontavam no local e saíam. Hoje, existe a
ideia de domínio, de invadir e ficar”, observou o policial ouvido por Nelson Melo.
Segundo a outra fonte do jornalista, apesar de o Bonde não ter conseguido tomar as
ruas 6 de Abril e do Arame da Vila Embratel, incursões de faccionados ocorrem com
frequência no território do inimigo, embora este cubra todos os “flancos” (norte, sul,
leste e oeste) por conta dessas ameaças. “Eles vivem atacando lá. Executaram ‘Pixote’
no fundo do quintal. Atiraram na cara dele. Praticamente, desmancharam a cara dele
com tiros de .40, em uma parte da Rua 6 de Abril, que eles chamam de ‘Sitinho’. É um
local acidentado, com poucas casas, mas tem uma área de mato”, explicou o
entrevistado.
Essa área do CV fica em frente ao “Morro Gogó da Ema”, que, na verdade, é a Rua
Santo Antônio, preenchida pelo Bonde. Lá, recentemente, houve a apreensão de uma
pistola calibre .380 pela Polícia Militar, durante mais uma missão de invasão do
território do Comando Vermelho pelo rival. “Eles iriam sair do ‘Gogó da Ema’ em
direção à Rua 6 de Abril. Os moradores estavam observando a arrumação, os
preparativos para o ataque. Os faccionados do Bonde faziam questão de ostentar as
armas antes de descer o morro. Mas o Bope, o GTM, o 1º BM e até o CTA apareceram
no local, depois que os populares solicitaram uma intervenção urgente antes da
invasão”, relembrou a fonte.
De acordo com esse entrevistado, essa rivalidade entre facções foi o motivo da
tentativa de homicídio contra Devert Lindoso Everton, o “Galego”, crime ocorrido
recentemente na Feira da Vila Embratel. Lá, um carro branco, ocupado por uma
quantidade indeterminada de homens, passou em uma das ruas, sendo que o passageiro
que estava no banco traseiro baixou o vidro e abriu fogo contra “Galego”, que tem
vários boxes ali. Ele foi alvejado no abdômen, embora vários tiros tenham sido
disparados pelo autor.
No tiroteio, houve uma agitação na feira. Até cães saíram correndo no momento em
que os tiros foram desferidos, como mostram imagens de câmeras de comércios da
região. “Galego” já recebeu alta hospitalar. Inclusive, um maqueiro do Hospital
Municipal Djalma Marques (Socorrão 1) foi preso por passar informações sobre o
estado de saúde de Devert, e sua possível saída, aos membros do Bonde dos 40, que
não se conformaram por não terem abatido o alvo logo na Feira da Vila Embratel, em
uma missão que podemos chamar de suicida, dentro da área do rival, em um local
movimentado.
“Quem quer matar ‘Galego’ a todo custo é o pessoal da Vila Isabel, ocupada pelo
Bonde”, disse a fonte. Ainda segundo esse contato do jornalista Nelson Melo, o Anjo
da Guarda, sem sombra de dúvidas, é a área mais forte do Bonde dos 40 na área Itaqui-
Bacanga. “Há gente grande do Bonde do Anjo da Guarda, como ‘Paulista’ e ‘Bira’,
que estão presos. E tem o ‘Perninha’, que fez até um vídeo fazendo manutenção de
armas de fogo. O Anjo da Guarda é grande e tem várias comunidades, como Mauro
Fecury, onde o tráfico é intenso. Tem a Vila Ariri e o Alto da Esperança”, pontuou o
policial.
Com esse forte “exército” na área Itaqui-Bacanga, impressiona como as ruas 6 de
Abril e do Arame da Vila Embratel ainda resistem. Para um dos entrevistados do
escritor Nelson Melo, isso acontece porque o Bonde ainda não tem a estrutura de uma
grande facção, apesar de ter inúmeros membros. “É tipo assim: se não é uma área que
tenha interesse imediato ou que seja área de um integrante considerado líder, eles
deixam de lado e não mão de ‘robôs’. Aí, fica como era antes, uma briga de gangues.
Então, a Vila Embratel se encaixa nesse perfil. Eles deixam os ‘robôs’ na guerra
urbana e ficam só com os louros da conquista”, comentou a fonte.
Segundo esta fonte, em decorrência desses conflitos entre facções, membros de uma
família, que foi expulsa pelo Bonde da Vila Embratel em 2015, se aliaram ao PCM e
hoje ao CV, como uma forma de se vingar pelo que aconteceu. “A área tinha uma
predominância do Bonde. Aí, os faccionados estavam desconfiados de que um
morador estaria repassando informações para a polícia, pois ele conversava
constantemente com as guarnições. Aí, o Bonde invadiu a residência deles, matou o
pai e expulsou quem sobreviveu. Os familiares saíram, mas nunca engoliram isso”,
recordou o policial.
E, assim, os conflitos ocorrem em uma dinâmica típica do crime organizado desde a
Cosa Nostra (máfia italiana). Os problemas decorrentes da violência no Maranhão são
os problemas do mundo. A História contém a ambição do ser humano como um dos
motores para a sobrevivência das civilizações desde a Revolução Cognitiva, quando o
Homo sapiens, dentre outras espécies humanas, prevaleceu em um planeta que ainda
não era preenchido por facções criminosas.