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Repórter que escreve sobre facções explica o funcionamento dos ‘tribunais do crime’

Palmatórias, tiros na perna e espancamentos. Essas ações despertam em nossa mente a
ideia de punição no contexto do crime organizado. Essa realidade é condizente com os
denominados “tribunais do crime”, que são julgamentos clandestinos utilizados pelas
facções criminosas como uma barreira para coibir certas práticas nas “quebradas”. No
Maranhão, esses julgamentos estão se tornando cada vez mais comuns. O repórter,
palestrante, escritor e pesquisador Nelson Melo, que já lançou dois livros sobre
facções no Maranhão, respondeu algumas perguntas do Jornal Itaqui-Bacanga (JBI)
acerca desses “tribunais do crime”.

JBI Afinal de contas, o que são esses “tribunais do crime” e quando surgiram no
Brasil?

Nelson Melo Em resumo, são julgamentos clandestinos instalados pelas
organizações criminosas como uma forma de monopolizar as condutas em uma
comunidade, que os faccionados chamam de “quebradas”. Geograficamente, essas
comunidades são territórios dentro de um espaço. Com a presença humana, o local se
torna passível de intervenções, incluindo de delinquentes. Para falarmos em um início
desses julgamentos no Brasil, primeiramente, precisamos voltar aos primórdios das
civilizações. A própria Lei de Talião já seria uma manifestação arquetípica dessas
punições. Na década de 1970, quando existiam as falanges no Presídio de Ilha Grande,
no Rio de Janeiro, essas gangues já se autoafirmavam a partir de regras de
comportamento no intramuros. Ou seja, para cada ato repugnante, havia uma maneira
de reprimi-la. O Comando Vermelho é fruto dessa força conquistada do
estabelecimento de normas para seus membros e para moradores.

JBI – Os “tribunais do crime” só se caracterizam quando ocorrem punições?

Nelson Melo – É importante salientar que um “tribunal do crime” ocorre quando uma
conduta é analisada pelos faccionados. Alguém será julgado. Nesse sentido, essa
pessoa pode ser punida ou absolvida. Independentemente de qual situação acontecerá
para o “réu”, o julgamento clandestino já foi instaurado. O sujeito pode ser morto ou
apenas pegar uma “pena leve”, como ser baleado na palma da mão ou levar
palmatórias. Ou, então, no caso da mulher, ter os cabelos raspados.

JBI – Todas as facções criminosas utilizam essa forma de controle das condutas nas
comunidades?

Nelson Melo – As facções já trazem consigo toda a história do crime organizado.
Quero dizer que aquilo que o Bonde dos 40, por exemplo, utiliza como padrão de
comportamento já foi utilizado por outras organizações criminosas ao longo do
processo histórico. Isso significa que todas as facções possuem esses “tribunais” como
algo inerente ao próprio mecanismo de existência e consolidação dos grupos nos
bairros e nos presídios. Cada um de nós carrega a história das civilizações nas costas.
Por isso que a existência é um peso, às vezes. Não é fácil aceitar que nossa
personalidade não é predominante para nos caracterizar como humanos.

JBI – Por que as facções criminosas conseguem instalar esses “tribunais” com
facilidade nos ambientes periféricos?

Nelson Melo – Assim como o calazar, as facções começam nas áreas periféricas e se
espalham para outros locais quando não são barradas. Nos locais vulneráveis, o crime
organizado se fixa porque são os lugares onde os faccionados podem impor suas leis
dentro do contexto de “ausência do Estado”. É aquela história: a ocasião gerou a
oportunidade. Fazer um “tribunal do crime” em uma área muito favorecida
urbanisticamente, como o Calhau, por exemplo, é inviável porque os faccionados
ficarão vulneráveis. Sem contar que é preciso uma plateia. Se os moradores
aplaudirem, então o objetivo simbólico do julgamento foi alcançado.

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