
Entre 2020 e 2025, 63% dos processos de investigação abertos pela Anvisa estiveram relacionados a suplementos. De acordo com a coordenadora de fiscalização da agência, Renata de Araújo Ferreira, a maior parte das denúncias envolve propaganda enganosa e a venda de produtos irregulares em plataformas digitais, o que dificulta o rastreamento e a fiscalização. Ela destacou que empresas utilizam o comércio eletrônico para oferecer suplementos clandestinos, de origem desconhecida, o que levou a Anvisa a recorrer ao uso de inteligência artificial para retirar do ar mais de 230 mil anúncios, sendo 60 mil de suplementos.
A gerente de alimentos da agência, Patrícia Ferrari Andreotti, informou que até julho deste ano foram avaliados 423 novos suplementos, dos quais 277 foram reprovados. A ausência de estudos de estabilidade, que comprovam a manutenção das propriedades nutricionais ao longo do prazo de validade, foi apontada como o principal motivo de reprovação. Atualmente, 207 empresas estão classificadas no “canal vermelho” da Anvisa, com irregularidades que incluem uso de marcas indevidas e substâncias proibidas na formulação dos produtos.
Patrícia destacou que desde setembro de 2024, as empresas devem notificar a Anvisa sobre o lançamento de novos suplementos. Caso cumpram todas as exigências, a autorização de comercialização é concedida sem análise prévia. A partir de setembro de 2025, a notificação obrigatória passa a valer também para produtos fabricados ou importados antes da regulamentação. “É como se a Anvisa desse uma receita de bolo, e o fabricante deve apenas seguir corretamente”, afirmou.
Do lado das empresas, representantes defenderam a prática do automonitoramento como forma de elevar a qualidade do setor, que reúne cerca de 800 companhias e movimenta aproximadamente R$ 30 bilhões. O presidente da Associação Brasileira das Empresas de Produtos Nutricionais (Abenutri), Marcelo Bella, argumentou que a estratégia já é usada em outros países e não substitui a fiscalização oficial. Já Guilherme Roman, da Essential Nutrition, defendeu que eventuais regras sobre automonitoramento sejam definidas em lei, para evitar práticas despadronizadas.
O debate foi solicitado pelo deputado Felipe Carreras (PSB-PE), que anunciou a intenção de apresentar projeto de lei com foco na regulamentação do setor. A proposta deve incluir a previsão de responsabilização criminal para fabricantes em caso de irregularidades na composição. “Não podemos fechar os olhos para o crescimento desse mercado quando há indícios claros de insegurança alimentar”, afirmou o parlamentar.