O PÚLPITO É UM DISPOSITIVO SOCIAL e simbólico que não apenas serve para a pregação religiosa, mas também como um local de formação da mentalidade coletiva e de exercício de poder e influência. Numa análise sociológica, posso examinar as articulações entre a religião, a política e as mídias, mostrando como o púlpito se conecta ao ativismo digital e à formação de um bloco evangélico na esfera pública.
Não quero ser polêmico. Nem simplista na argumentação do tema e das palavras. Mas quero começar dizendo que o púlpito, como espaço de poder e influência, é um veículo de doutrina, transformação e formação de mentalidade. Isto porque o púlpito é um lugar de divulgação da doutrina religiosa, mas também é um espaço onde a mentalidade coletiva é elaborada e expressa, utilizando tanto o espaço físico quanto o discurso verbal. Trata-se, portanto, de relacionamento coletivo e relações sociais.
Essa mesma sociologia do púlpito analisa o púlpito não apenas como um espaço físico de pregação, mas também como um elemento central na construção da identidade religiosa, na disseminação da doutrina, na formação da mentalidade coletiva e na articulação de grupos sociais com esferas como a política e a mídia. Essa análise explora como o discurso e a performance no púlpito influenciam valores, crenças e práticas sociais, moldando a forma como os fiéis se relacionam com o mundo e entre si.
Vislumbra-se, aqui, uma relação com o controle religioso. Isto é, em momentos de crise ou de perda de relevância da Igreja, os púlpitos em geral podem se tornar mais rígidos, com um aumento do controle interno e a figura dos “guardiões da pureza” se acentuando, como apontam estudiosos como Peter Berger e Zygmunt Bauman. Há um discurso e uma autoridade na natureza do púlpito. A autoridade pastoral, exercida pelo pregador no púlpito, é construída através de um discurso que legitima o poder da liderança religiosa, mas que também se baseia em vínculos pessoais e de amizade com os fiéis. Cria-se uma ética e se caminha com ela e a partir dela.
Da tradição às mídias sociais, essa ética reza uma moral de usos e costumes… E uma dogmática que se torna tradição e conceito e, nesse viés, clama-se por liberdade e paz de consciência mas, em síntese, as bitolas doutrinais se avolumam em barreiras e obstáculos para a fé de quem ouve a pregação.
Há, também, uma tendência para a midiatização da religião. A sociologia do púlpito, em especial na obra de Ballousier, abre caminho para uma abordagem que mira a “midiatização da religião”, que se manifesta na atuação dos evangélicos como um bloco articulado, utilizando as mídias e a internet para mobilizar e influenciar a sociedade. Eu, particularmente, vejo isso com certa cautela.
Por trás disso tudo, há um ativismo digital. E esse ativismo digital (evangélico) é um fenômeno relevante, que demonstra a capacidade de um segmento religioso se organizar e atuar na arena política, elevando suas demandas e elegendo seus representantes. A partir daí, percebe-se uma cultura de mercado. A nova dinâmica mostra que os evangélicos não são mais apenas grupos fechados, mas desenvolvem uma cultura de “vida normal”, que combina a religião com a presença em mídias, a indústria do entretenimento e a inserção no mercado.
O púlpito como cena tem uma performaticidade. A análise do púlpito como um espaço performático, onde o pregador utiliza estratégias teatrais e discursivas para engajar o público, é fundamental para entender os efeitos desse espaço sobre as audiências, como no caso de algumas figuras bem conhecidas, sem citar nomes. Porque não vem ao caso.
Há, ainda, um vínculo de confiança. O púlpito estabelece um “pacto de confiança e orientação” entre o pregador e o público ouvinte, que é crucial para a análise das palestras-pregações e suas estratégias.
Na sociologia, a “mente de Deus” pode ser entendida como a busca pela compreensão da vontade divina e da sua aplicação no contexto social e eclesiástico, especialmente no púlpito, que é o espaço sagrado de pregação da Palavra de Deus. Então, posso dizer que, sociologicamente, analisa-se como essa “mente” divina é interpretada pelos líderes religiosos, como se molda na pregação e como se manifesta na transformação da vida e da comunidade, abordando a necessidade de relevância da mensagem e a responsabilidade do pregador em não desviar-se dos ensinamentos bíblicos.
Mas qual é a função e significado do púlpito? Primeiramente, é óbvio que o púlpito é ponto de transmissão da mensagem. Ele é o local onde a Palavra de Deus é proclamada para a comunidade, sendo, portanto, um símbolo de sabedoria, autoridade e comunicação divina. Mas o púlpito também é um ambiente de manutenção da tradição e da identidade cristã. Manter o púlpito, portanto, como um lugar sagrado e valorizar a sabedoria bíblica é crucial para a sobrevivência e identidade da instituição divina, que também se manifestam em hinos, louvores e ritos como a Santa Ceia, por exemplo.
A mente de Deus na pregação é a orientação pelo Espírito Santo. A busca pela mente de Deus envolve a correspondência à Palavra, guiada pelo Espírito Santo, para que haja uma transformação na vida do indivíduo.
E aí precisamos falar da responsabilidade do pregador. Como sociólogo, posso analisar a forma como os pregadores buscam comunicar a mensagem, avaliando se essa mensagem é adaptada à audiência sem desviar-se da essência da Palavra.
Para isso, há uma certa interseção com a psicologia e a sociedade. A Palavra se manifesta como um mecanismo de cura e descanso para a alma dos que ouvem a pregação. Historicamente, a oratória e a comunicação da fé têm uma função terapêutica, funcionando como um recurso para a cura e o alívio de dores e paixões, semelhante à psicoterapia moderna. Por isso o pastor e/ou pregador precisa estudar psicologia e psicanálise. E incrementar isso nas suas orações como ferramentas de ajuda, alcance e orientação de pessoas.
O púlpito causa um impacto na cultura. A influência da cultura evangélica no cotidiano, com a adoção de expressões e a expansão de sua participação na sociedade, demonstra como a fé e suas mensagens se entranham na vida social. Numa perspectiva sociológica, o conceito de Deus pode ser visto como uma expressão da sociedade, tornando a análise da “mente de Deus” no púlpito também uma análise de como as estruturas sociais e culturais influenciam a religiosidade e vice-versa.
As dinâmicas sociais, políticas e culturais do púlpito perpassam pelo espaço físico de pregação, e seu papel como centro de difusão de valores, poder, transformação e formação da mentalidade coletiva, principalmente no contexto religioso brasileiro. Essa área analisa como o discurso no púlpito influencia o comportamento dos fiéis, a relação entre religião e política e a construção da identidade comunitária bem como sua relevância.
Logo, o púlpito pode ser analisado, sociologicamente, como centro de poder e doutrinamento. Ele é um espaço tradicional para a proclamação da doutrina e o fortalecimento da autoridade pastoral. Isto porque a ética do púlpito tem compromisso com a formação da mentalidade coletiva. Além de disseminar a fé, o discurso do púlpito molda a mentalidade e a cosmovisão dos fiéis, influenciando-os na interpretação do mundo.
Com relação aos vínculos comunitários e identidade cristã, o púlpito fortalece os laços de confiança e amizade entre o líder religioso e a comunidade, contribuindo para a construção de uma identidade coletiva e um sentido de pertencimento.
O púlpito também tem relação com a política de participação social. A análise do púlpito investiga a interseção entre a pregação religiosa e a esfera política, estudando como líderes religiosos buscam influenciar a opinião e as escolhas dos fiéis em um contexto eleitoral. Isto quer dizer que o púlpito passa pelos fenômenos sociais modernos. Observa-se a presença do púlpito e do discurso religioso nas mídias sociais, a moda de “evangelismo pop”, a inserção no mercado e no entretenimento, e o ativismo digital.
Por conseguinte, a sociologia do púlpito também aborda a crise da pregação, quando o discurso se distancia da exposição bíblica e passa a priorizar a autoajuda e a motivação pessoal, o que pode levar a um esvaziamento do impacto espiritual e social da palavra.
A teatralidade do púlpito se manifesta no uso da plataforma elevada para criar uma performance dramática e envolvente durante a pregação, em que o pregador utiliza técnicas de discurso, expressão corporal, persuasão e a organização da cena para capturar a atenção do público e construir um significado compartilhado, mesclando o real e o ficcional para reforçar a mensagem religiosa.
Neste caso, alguns elementos da teatralidade do púlpito aparecem. Cria-se uma cena. O púlpito se torna um palco onde o pregador encena a mensagem, transformando a pregação em uma espécie de peça teatral. O discurso do púlpito, por vezes, é de natureza dramatúrgica. As narrativas bíblicas e os eventos cotidianos são entrelaçados para criar um efeito dramático, utilizando a ficção para fortalecer a realidade ou para dar uma perspectiva a eventos de sua própria vida.
O objetivo da performance é gerar um senso de fé e crença no público, estabelecendo um pacto de confiança e orientação entre o pregador e os fiéis. As estratégias são performativas. O pregador emprega técnicas específicas de homilética, como a organização de dispositivos para concentrar o olhar e a atenção da audiência, e a utilização da expressividade pessoal para dar um sentido maior ao seu discurso.
O púlpito, enfim, é palco. A plataforma elevada do púlpito não é apenas um suporte para o pregador, mas um elemento central da performance, definindo o espaço e a arquitetura da “cena” da pregação.
A “teatralidade do púlpito”, finalmente, é a performance ritualística e dramatúrgica que ocorre quando um pregador utiliza o púlpito como um “palco” para sua mensagem, empregando elementos de narrativa, encenação e expressividade para engajar o público e transmitir uma mensagem de fé e autoridade. Essa teatralidade não é vista como ficção, mas como uma forma de conexão e apelo à crença, em que a figura do pregador busca criar um pacto de confiança e um senso de propósito coletivo.
O púlpito, então, tem algumas características de teatralidade. Ele, por ser uma plataforma elevada, já estabelece uma hierarquia e um espaço cenográfico, concentrando o olhar do público em quem está no topo. Há narrativas e dicursos. O uso de histórias bíblicas, mesmo que adaptadas ou interpretadas, serve para alimentar a narrativa e a dramaturgia da mensagem, criando assim um estado de ficção permanente que é entrelaçado com a realidade do cotidiano.
O púlpito tem a sua expressividade e performatividade. A forma como a mensagem é entregue, o agenciamento discursivo e a expressividade pessoal do pregador são elementos centrais. O pregador não é um ator representando um papel, mas a própria pessoa que utiliza técnicas performativas para se fazer “vista e assistida”. Um pacto de confiança é estabelecido. A comunicação no púlpito estabelece uma relação de fé e crença, em que o público deseja acreditar no que é dito e confia na orientação do líder religioso.
A organização do olhar e da atenção é algo característico. A própria estrutura do culto e o ambiente da igreja são organizados para concentrar o olhar e a atenção dos fiéis no púlpito. A autoridade da palavra faz a diferença. Na verdade, a autoridade do púlpito e do pregador não é intrínseca, mas extrínseca, vindo da Palavra de Deus que é exposta a partir dele. A teatralidade serve para reforçar essa autoridade e o impacto da mensagem. Não é apenas “teatro”. É importante notar que, ao falar de teatralidade, não se trata de uma mera “encenação” ou um espetáculo sem fundamento. A teatralidade no púlpito está ligada à transmissão de um conteúdo espiritual e de fé, buscando construir um senso de comunidade e propósito.
Em resumo, a teatralidade do púlpito é a forma como o ato de pregar se torna uma performance elaborada, utilizando recursos cênicos e narrativos para cativar o público e reforçar a autoridade da mensagem, resultando em uma experiência de fé engajadora e ao mesmo tempo transformadora.