A Câmara dos Deputados consome mais de R$ 1 bilhão por ano com salários, gratificações e auxílios a servidores cuja jornada de trabalho, na prática, ninguém fiscaliza. A cifra, que já impressiona por si só, atingiu novo recorde sob a presidência do deputado Hugo Motta (Republicanos-PB).
Hoje, quase 10 mil secretários parlamentares — cargos de livre nomeação — integram a força de trabalho dos gabinetes dos 513 deputados. Na segunda-feira (21), eram exatos 9.972 servidores, cerca de 69% do total da Casa. Eles podem atuar em Brasília ou nos estados de origem dos parlamentares. E trabalham, teoricamente, 40 horas por semana. Mas essa jornada é atestada apenas pelo próprio gabinete, sem qualquer controle externo ou uso obrigatório de ponto eletrônico.
Essa brecha já resultou em casos notórios de funcionários fantasmas, como revelou a Folha de S.Paulo no caso de três mulheres que constavam na folha de pagamento do próprio gabinete de Hugo Motta sem exercer funções efetivas.
Na Câmara, há dois tipos de cargos comissionados: os secretários parlamentares, de responsabilidade direta dos deputados, e os cargos de natureza especial (CNE), destinados à estrutura administrativa da Casa — como comissões, lideranças e a Mesa Diretora. Apenas os ocupantes de cargos CNE são obrigados a registrar presença por biometria, com totens eletrônicos instalados desde 2015.
Já os secretários parlamentares só usam a biometria quando desejam receber hora extra durante sessões noturnas, às terças e quartas. Fora disso, o controle de jornada é inexistente — em Brasília e, sobretudo, nos estados, onde a Câmara sequer exige que o parlamentar mantenha um escritório físico.
Cada deputado tem direito a uma verba de gabinete mensal de R$ 133 mil, usada exclusivamente para contratar de 5 a 25 secretários parlamentares. Os salários variam entre R$ 1.584,10 e R$ 18.719,88. A eles somam-se benefícios como auxílio-alimentação de R$ 1.393,11 e eventuais gratificações.
A declaração de cumprimento da jornada é feita em um formulário enviado pelos gabinetes ao setor de Recursos Humanos. Se nenhuma informação de falta ou afastamento for registrada, o sistema automaticamente considera que o servidor trabalhou as 40 horas semanais — sem exigir qualquer detalhamento de horários ou atividades.
Nos estados, o cenário é ainda mais opaco. A Câmara não fiscaliza a atuação dos secretários parlamentares fora de Brasília, e não há mecanismo de verificação das 40 horas exigidas contratualmente. Muitos deputados sequer possuem estrutura física em suas bases eleitorais.
A ausência de controle persiste mesmo após uma série de escândalos ao longo dos anos envolvendo “rachadinhas”, funcionários fantasmas e servidores pagos com dinheiro público para exercer funções domésticas, como faxina ou cuidados com filhos do parlamentar.
A prática do apadrinhamento político também se mantém firme. Como mostrou a Folha, o próprio presidente da Câmara empregou parentes de aliados — filhos, mãe e até ex-sogra de políticos locais de seu partido — em troca de apoio eleitoral.
O custo apenas com secretários parlamentares foi de R$ 1 bilhão em 2023. No primeiro semestre de 2024, a Câmara desembolsou R$ 486,4 milhões. Neste ano, no mesmo período, o valor saltou para R$ 539,2 milhões — um crescimento de quase 11%.
Procurada desde a última quarta-feira (16), a assessoria institucional da Câmara não respondeu aos questionamentos da reportagem. O deputado Hugo Motta também não comentou a falta de fiscalização dos servidores contratados pelos parlamentares.
Sobre o caso das funcionárias fantasmas, o presidente da Câmara afirmou que “preza pelo cumprimento rigoroso das obrigações dos funcionários de seu gabinete, incluindo os que atuam de forma remota e são dispensados do ponto dentro das regras estabelecidas pela Câmara”.
Com informações da Folha de S.Paulo.