Uma auditoria interna realizada pela Prefeitura de São Luís (MA) identificou indícios de irregularidades e possíveis casos de superfaturamento nas contratações artísticas do Carnaval 2025 da capital maranhense. Os documentos, obtidos com exclusividade pela coluna, revelam falhas nos processos administrativos e levantam dúvidas sobre a legalidade de pagamentos antecipados feitos a artistas de projeção nacional.
Anunciado pelo prefeito Eduardo Braide (PSD) como “o maior de todos os tempos”, o Carnaval deste ano teve um investimento de R$ 9,5 milhões na contratação de 28 artistas e bandas. Desses, segundo os relatórios de auditoria, dez shows concentraram R$ 3,5 milhões em despesas sob suspeita de sobrepreço.
Entre os artistas listados com cachês supostamente acima dos valores de mercado estão nomes como Alcione, Raça Negra, Léo Santana, Xande de Pilares e Luísa Sonza. Também constam no levantamento o grupo Ara Ketu, os cantores Thiago Freitas, Heitor Costa, Oh Polêmico e o grupo Filhos de Jorge.
Diferenças de valores e pagamentos antecipados
No caso de Alcione, por exemplo, a cantora foi contratada por R$ 300 mil para o Carnaval — valor 33% superior ao pago pelo mesmo município para uma apresentação no São João de 2024, quando o cachê foi de R$ 199 mil. A auditoria questiona a ausência de justificativa técnica para o aumento expressivo.
Já o cantor Xande de Pilares teria recebido R$ 230 mil, valor considerado “incompatível” com o praticado em outras cidades, onde os contratos com o artista variaram entre R$ 130 mil e R$ 205 mil ao longo de 2024. Para o grupo Filhos de Jorge, o valor acordado foi de R$ 250 mil, embora o histórico de contratações públicas mostre pagamentos entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.
Outro ponto sensível revelado nos documentos é o pagamento antecipado de cachês sem a devida formalização contratual — algo classificado como irregular pelos auditores. Entre os beneficiados está a cantora Luísa Sonza, que recebeu R$ 625 mil (o terceiro maior cachê do evento) mesmo sem contrato assinado ou empenho orçamentário registrado, conforme destacou parecer técnico da Controladoria Geral do Município.
O mesmo ocorreu com o artista Alexandre Pires e com a banda Mastruz com Leite. Em todos os casos, os pagamentos foram liberados antes do cumprimento das etapas legais exigidas para despesas públicas, como o empenho orçamentário — que deveria preceder qualquer movimentação financeira.
Reações e medidas
A Associação dos Auditores de Controle Interno do município encaminhou denúncia ao Ministério Público, na qual solicita a responsabilização do controlador-geral do município, Sergio Motta, por autorizar os pagamentos sob suspeita. A entidade também aponta que o caso não se limita ao Carnaval. Segundo a denúncia, há indícios de R$ 1,06 milhão em sobrepreço nas contratações para o Réveillon de 2025, com destaque para o caso da cantora Michelle Andrade, cujo cachê teria sido inflacionado em 220% em relação à média praticada.
Em resposta, a Prefeitura de São Luís, por meio da Secretaria Municipal de Cultura, negou qualquer irregularidade e afirmou que todas as contratações seguiram a legislação vigente. Em nota, a gestão argumenta que os valores dos cachês foram definidos pelos próprios artistas ou seus representantes legais, levando em conta fatores como logística, hospedagem, passagens aéreas e a alta demanda típica do período carnavalesco.
Além disso, a prefeitura afirmou que os pagamentos antecipados sem contrato foram feitos para evitar prejuízos em caso de cancelamento de apresentações e alegou que os auditores estariam agindo em retaliação, após uma decisão judicial que determinou o ajuste de seus salários ao teto constitucional — medida que teria causado “insatisfação” entre parte da categoria.
O silêncio dos artistas
A coluna procurou os artistas citados nos relatórios para comentar os valores envolvidos. Até o momento, Ara Ketu, Léo Santana, Raça Negra, Xande de Pilares, Filhos de Jorge, Thiago Freitas, Heitor Costa e Oh Polêmico não se manifestaram.
A assessoria de Alcione informou que a cantora desconhece os questionamentos e não foi notificada sobre qualquer investigação. Já a equipe do cantor Netinho afirmou que ele cancelou todas as apresentações do Carnaval 2025 em razão de um tratamento de saúde, e que os valores recebidos foram integralmente devolvidos à prefeitura.
Enquanto isso, os documentos seguem em análise pelo Ministério Público, que pode abrir investigação formal sobre os indícios levantados. Caso as suspeitas se confirmem, a gestão municipal poderá ser responsabilizada por dano ao erário. (Com informações do Site Metrópoles)